segunda-feira, 10 de abril de 2006

Procissão dos Passos

VILA BOA RECUPERA TRADIÇÃO
Vila Boa reviveu, no passado dia 2 de Abril, uma tradição interrompida há mais de uma década.
A Procissão do Senhor dos Passos é uma tradição popular de profundo sentido religioso que remonta a tempos muitos antigos, perdendo-se nas brumas do tempo e no passado das memórias. Pela sua história e, sobretudo, pelo seu acentuado cunho espiritual é um dos acontecimentos mais relevantes do panorama religioso. Através dos séculos, os cristãos souberam, conforme o contexto político e religioso e a dinâmica da evangelização, traduzir para as populações, de múltiplas e variadas formas, os mistérios principais da nossa fé e convicção na Ressurreição do Senhor.
Sabe-se que, em Vila Boa, a Procissão do Senhor dos Passos existia já no século XIX, altura em que atingiu momentos de grande esplendor e onde esta e outras manifestações religiosas assumiam, durante o período quaresmal, uma grande importância no quotidiano dos habitantes. São factos confirmados pelo testemunho das pessoas mais idosas da freguesia.
Este ano, os mordomos do Senhor dos Passos empenharam-se, envolveram a população e proporcionaram o todos os vilaboenses, e a muitas pessoas que nos visitaram, momentos únicos de fé e de adoração. Para muitos foi um reviver, para outros, mais jovens ou emigrantes, foi a concretização de uma realidade de que tinham ouvido falar, mas que nunca tinham presenciado.
Naturalmente, os preparativos iniciam-se muito antes e, a aldeia, pouco a pouco, vai ganhando um colorido especial. As ruas são enfeitadas com arcos construídos com flores e verduras naturais, o pavimento é salpicado e decorado com flores e plantas aromáticas, mas as verdadeiras obras-primas são os nichos. Estes oratórios são uma espécie de pequenos altares, que se distribuem pelas ruas da freguesia, e são autênticas obras de arte de religiosidade popular. Só assistindo à azáfama e à devoção com que os habitantes das várias ruas se empenham na construção destes oratórios, se pode ter a noção do que estas manifestações significam para o povo. Todos querem ser os melhores, todos querem construir o mais belo nicho e o certo é que todos construíram a mais bela obra, pois cada um deles é diferente, mas qual deles mais belo.
A procissão inicia-se na igreja e vai percorrendo as ruas da freguesia, entoando continuadamente um cântico em tom de dor e de tristeza, parando em cada nicho onde as Três Marias vão recordando as ofensas cometidas a Cristo e o seu terrível sofrimento. Efectuado à noite, à luz das velas e com as janelas das casas todas iluminadas para alumiar os passos de Jesus, o cortejo confere então à aldeia um cenário de grande simbolismo impregnado de grande dose de misticismo. No entanto, o momento de maior realismo e dramatismo ocorre no Largo da Praça, com o Sermão do Encontro. Maria, Mãe de Jesus e S. João Batista encontram-se com Jesus e, pouco depois, Maria segura no seu regaço, angustiada e inconformada, o Cristo já morto. É um momento que recorda a todos a nossa condição de humanos, a nossa fragilidade, a nossa vida efémera, pois nem o maior amor de mãe consegue evitar a morte de um filho.
Este ano, os mordomos quiseram promover a adesão dos mais novos. Os jovens foram convidados a juntarem-se à iniciativa para que a Procissão do Senhor dos Passos possa ser preservada e assegurada a sua continuidade. A ideia concretizou-se e foi um êxito. Todas as imagens foram transportadas por jovens e a população emocionada e agradecida participou em massa, porque o povo sabe que uma das formas de perder a sua identidade é perdendo as suas tradições.

António Dinis